segunda-feira, 31 de agosto de 2009

E perdoei-te. Já não interessa o que fizeste ou porque é que o fizeste. Cometem-se erros, partem-se pratos, compram-se outros. Mas a crueldade, essa dura muito mais. 'Não há mal que dure cem anos', diz o povo, mas muitos 'cem anos' hão-de passar antes que eu consiga esquecer a tua expressão de prazer sádico, a leviandade com que me olhaste nos olhos depois de me traíres.

A traição, perdoei-ta ainda antes de a cometeres. A crueldade, perdoei-ta hoje.
Não sinto que te perdoei, mas sei. Porque ainda consigo sentir pena de ti, porque sei que ainda te ajudarei se precisares. Porque apesar de teres voltado o jogo contra mim, de me roubares depois de me deitares ao chão, depois de continuares a acenar-me todos os dias, já sem saber, com tudo o que me tiraste, ainda consigo sentir orgulho em ti.

Só eu é que sei o que me doeu. Talvez tu também saibas, talvez imagines, se pensares com calma no assunto. E ainda não aprendeste tudo o que tinhas a aprender comigo, nem eu contigo. Eu consigo perdoar-te.
Mas como é que consegues viver contigo sem sequer pedir desculpa?

Até logo.

P.S. desculpem o desabafo, prometo que não torno a dizer coisas sem explicar.

sábado, 29 de agosto de 2009

Já não prometo nada

Não vou prometer que desta vez não vou passar tanto tempo sem publicar, porque está mais que provado que não sou bom nestas resoluções, não é? LOL

ainda assim, deixo um texto para vos entreter, se me perdoam a ausência tão prolongada.


Parvo?

Não me tomeis por parvo.
É que na noite mais auspiciosa há só uma balbúrdia de sons,
Um concerto de excertos da mesma prosa estapafúrdia
Reverberando em mil esquinas e apertos, a pretos tons.

Uma cacofonia mecânica, pouco propícia
À poesia que,
(Em boa verdade se diga)
menos que divina,
Nada deve à satânica melodia de sirenes da polícia.

Ainda assim, não me tomeis por parvo. Não tomeis de todo.
Se escolher, posso fazer escorrer pelos vossos ouvidos de lodo
A mesma água de rosas, senhores. Diria

“Olhai a bela túnica da noite,
O brilho fresco das searas e da Lua.
Olhai como eu, que olhei tanto que a gastei
E contemplei as cores que tem a noite nua.”

E as rosas choravam todo o orvalho.
E o vento soprava a derradeira sinfonia.
E no mar, a água ria e cantava.
E era a túnica que a noite seduzida, lentamente, despia.
E era o champanhe a borbulhar de entusiasmo.
E era o céu, que explodia num orgasmo, e oh…

É a lua a derreter, com um espasmo.
É o exagero, a hipérbole, a exaltação, o pleonasmo.
É o sol que, de emoção, se faz negrume.
É o fado a gemer, cheio de queixume.
É o povo que se empoleira no estrume.
É o presidente que (meu deus!) saltou do cume.
E os mentecaptos que mergulham um pouco mais
As mentes cativas num poço de betume.

Prefiro a mediocridade em consciência
À excelente deficiência de pintar o mundo de azul-bebé
E admirar a linda roupa que veste
O feio pseudo-recém-nascido.
Prefiro saber que não é para mim notícia
Que o dourado que vedes na noite é o dos postes de luz.
Que, quando muito, é amarelo-mijo, da cor da icterícia.

Mas longe de mim fazer-vos a vida num desgosto.
Longe de mim ser chamado de realista
Só porque tenho o intelecto maldisposto.
E longe de vós a correcção de qualquer conclusão
Que tireis por terdes um poema de fronte da vista.
Por isso, não me tomeis por parvo
Por não achar palavra que rime com parvo.


Miguel de Miguel
Até logo.